Sete defensores da natureza que travaram crimes recebem “Nobel do Ambiente” 2024

São da Austrália, África do Sul, EUA, Espanha, Índia, Brasil: eles travaram crimes e injustiças contra a sua comunidade, face ao avanço do carvão, petróleo, poluição e destruição da floresta.

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Sinegugu Zukulu e Nonhle Mbuthuma, da Àfrica do Sul,Sinegugu Zukulu e Nonhle Mbuthuma, da Àfrica do Sul Prémio Ambiental Goldman,Prémio Ambiental Goldman
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Teresa Vicente, de Espanha Prémio Ambiental Goldman
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Andrea Vidaurre, dos Estados Unidos Prémio Ambiental Goldman
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O jornalista Marcel Gomes coordenou uma investigação que relacionou a maior exportadora de carne de vaca do mundo, a JBS, com desflorestação ilegal nos ecossistemas mais ameaçados do Brasil. A académica espanhola Teresa Vicente liderou uma campanha que teve como resultado a aprovação de uma lei que dá ao Mar Menor – a maior lagoa de água salgada da Europa – direitos legais. São dois dos vencedores deste ano do Prémio Goldman de Ambiente de 2024, que reconhece activistas que mobilizam as suas comunidades para lutar pelo ambiente em todo o mundo.

A ideia do Prémio Goldman, que se classifica como o “Nobel do Ambiente”, é distinguir anualmente heróis ambientais de cada uma das seis regiões continentais do mundo. A cada um são atribuídos 200 mil dólares e podem vir a receber bolsas para apoiar o seu trabalho da Fundação Rhoda e Richard Goldman, um casal de milionários e filantropos da Califórnia (Estados Unidos), que financia o galardão.

“Sozinhos, suas conquistas em todo o mundo são impressionantes. Juntos, são uma força colectiva —e um movimento global em crescimento”, afirmou John Goldman, presidente da Fundação, sobre o prémio, atribuído desde 1989. “De São Francisco a São Paulo e à Costa Selvagem da África do Sul, somos uma comunidade global — e somos poderosos”, realçou.

Eis os distinguidos em 2024:

Marcel Gomes, Brasil

Os crimes ambientais escondidos no seu bife

O trabalho de investigação de Marcel Gomes, desvendou as relações entre várias redes de grandes supermercados europeias e norte-americanas e a empresa brasileira JBS, uma das maiores exportadoras de carne de vaca do mundo, cujas práticas levam à destruição da floresta, cometendo crimes ambientais.

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Marcel Gomes coordenou uma investiagaçao sobre a destruução da natureza praticada pelo grande exportador de carne brasileiro JBS Prémio Ambietal Goldman

O jornalista de 45 anos foi premiado pelo exercício do jornalismo de investigação na defesa do meio ambiente publicado pela agência jornalística Repórter Brasil, uma organização sem fins lucrativos que se foca em áreas como violações dos direitos humanos, questões ambientais ou trabalho escravo.

A cobertura de repercussão internacional, que coordenou, revelou as relações entre a carne vendida por grandes supermercados na União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos com a desflorestação de ecossistemas do Brasil, como a Amazónia, o Cerrado e o Pantanal, pelo maior grossista de carne de vaca do mundo, a brasileira JBS.

A indústria da carne brasileira é a maior do mundo, representa 20% das exportações globais, e a pecuária e o principal motor da desflorestação – é-lhe atribuída a responsabilidade por 90% das perdas na Amazónia e 70% no Cerrado, salienta um comunicado da Fundação Goldman.

Cerca das 215 milhões vacas que existem no Brasil (quase uma por cada um dos 220 milhões de cidadãos brasileiros) são criadas nos ecossistemas da Amazónia e do Cerrado. A empresa brasileira JBS é a maior processadora de carne do mundo, com um volume de negócios de cerca de 78 mil milhões de dólares em 2022, e vende carne para 150 países.

Marcel Gomes concluiu ainda que a empresa estaria associada a casos de massacres de indígenas e ao processo chamado "lavagem de gado", que consiste em transferir o gado de uma exploração em que houve desflorestação ilegal para uma propriedade com “ficha limpa”, para encobrir a origem dos animais.

O objectivo é fugir ao compromisso de “desmatamento zero” e ao Termo de Ajuste de Conduta de Carne, que as maiores produtoras brasileiras de carne assumiram em 2009. Nestes acordos prevê-se a monitorização dos fornecedores e o fim da compra de animais a quintas que recorram à desflorestação à margem da lei e ao trabalho escravo.

O trabalho coordenado por Marcel Gomes, em colaboração com várias organizações indígenas e ambientalistas, permitiu, desta forma, denunciar algumas das ilegalidades praticadas, de tal forma que em Dezembro de 2021, seis grandes cadeias de supermercados europeias deixaram de vender produtos da JBS: a Sainsbury’s no Reino Unido, Albert Heijn e Lidl nos Países Baixos, Carrefour e Delhaize na Bélgica, e Auchan em França.

Um relatório de 2020 mostrava que a União Europeia foi, em 2017, responsável por 16% da desflorestação associada ao comércio internacional. Portugal surgia como o 6.º Estado-membro com maior consumo per capita associado à desflorestação relacionada com o comércio internacional. O consumo de carne duplicou no mundo nos últimos 20 anos, atingindo 320 milhões de toneladas em 2018 e que se prevê que aumente mais 13% até 2028, segundo o Meat Atlas 2021, elaborado pela fundação Heinrich Böll Stiftung.

A União Europeia aprovou proposta para travar a importação de soja, carne, madeira, óleo de palma, café e cacau produzidos em territórios florestais. Produtos derivados, como couro, mobiliário e chocolate também estão na lista das restrições. No entanto, a entrada em vigor desta directiva, que deveria acontecer em Janeiro de 2025, está a ser atrasada, porque alguns países invocam a dificuldade de classificar os países de origem das importações em três níveis diferentes de risco.

Teresa Vicente, Espanha

A advogada que fez com que o Mar Menor tivesse direitos

A professora de Filosofia da Lei na Universidade de Múrcia (Espanha) passou toda a vida a estudar e defender os direitos da natureza. A tese de doutoramento de Teresa Vicente (61 anos) foi sobre justiça ecológica. E há muito que fazia trabalho como voluntária em defesa do Mar Menor, no Mediterrâneo, a maior lagoa de água salgada no continente europeu.

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Teresa Vicente, junto à costa do Mar Menor Prémio Ambiental Goldman

Separado do Mar Mediterrâneo por uma fina franja de areia de 22 km de comprimento, o Mar Menor tornou-se famoso devido às águas transparentes e azul-turquesa, e por causa da riqueza do seu ecossistema. Mas, desde a década de 1970, uma explosão da construção à volta da lagoa e o subsequente desenvolvimento urbano e agrícola causaram uma enorme poluição, que põe em risco a sobrevivência do ecossistema.

Apesar de designada pelas Nações Unidas como Zona Especialmente Protegida de Importância para o Mediterrâneo, a lagoa tem graves problemas de eutrofização (excesso de nutrientes na água, sobretudo azoto e fósforo), sobretudo derivados da agricultura.

Em Maio de 2020, Teresa Vicente lançou uma campanha para usar o mecanismo da iniciativa legislativa popular, que permite a um grupo de 500 mil cidadãos propor uma lei directamente ao Parlamento e apresentou a ideia dos direitos legais da natureza, numa reunião pública. Depois escreveu a primeira versão da lei para dar personalidade jurídica ao Mar Menor e, com vários colegas, apresentou-a ao Parlamento espanhol.

Montou uma campanha a nível nacional, com centenas de milhares de voluntários. Em Agosto de 2021, 70 mil pessoas deram as mãos em torno do Mar Menor, para lhe dar um abraço simbólico.

Todo este esforço chegou a bom porto: em Setembro de 2022, numa votação no Senado espanhol, uma nova lei atestava que o Mar Menor era o primeiro ecossistema da Europa a ter personalidade jurídica, tal como as pessoas ou empresas.

“Dando instrumentos aos cidadãos para agir em nome do ambiente, a estratégia legal única de Teresa Vicente é um precedente importante para a democratização da protecção ambiental e a expansão do papel da sociedade civil em campanhas ambientais”, diz um comunicado de imprensa relativo ao prémio.

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Murrawah-Maroochy-Johnson, líder indígena australiana Prémio Ambiental Goldman

Murrawah Maroochy Johnson, Austrália

A mulher que desarmou uma mina (de carvão)

As maiores reservas conhecidas de carvão do planeta, 23 mil milhões de toneladas, ficam na Bacia de Galileu, no estado australiano de Queensland: é uma das chamadas “bombas de carbono”, projectos de extracção de combustíveis fósseis que, se forem para a frente, vão agigantar as emissões de gases com efeito de estufa, que causam o aquecimento global.

Ali é também a terra natal de Murrawah Maroochy Johnson, de 29 anos, uma mulher do povo indígena Birri Gubba (Primeira Nação Birri Gubba é a designação usada na Austrália). Ela liderou um processo para tentar travar a licença para a abertura do complexo mineiro de Waratah, do milionário do carvão australiano Clive Palmer que resultou. “Estabeleceu um precedente que permite que outros povos das Primeiras Nações contestem projectos de carvão, vinculando a mudança climática aos direitos humanos e indígenas”, diz o comunicado de imprensa do Prémio Goldman

Calculava-se que, durante os 35 anos previstos de exploração de Waratah, a mina destruiria os 8093 hectares do Refúgio Natural Bimblebox e lançaria para a atmosfera mais 1580 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono, além de ameaçar direitos e cultura indígena, bem como centenas de espécies de animais e plantas. Ameaçaria o habitat de 175 espécies de aves, 45 mamíferos, 14 anfíbios, 83 répteis e 650 tipos de plantas nativas.

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Aves no Refúgio Natural Bimblebox Malcom Paterson

Através da organização Youth Verdict, da qual Murrawah Maroochy Johnson é co-líder, foi conduzida uma campanha de divulgação junto de outras nações indígenas no estado de Queensland, que trabalharam em conjunto com uma organização não-governamental que presta apoio jurídico em casos de litígio ambiental (Environmental Defenders Office) para contestar a licença de exploração mineira de Waratah.

A estratégia legal passou por incorporar os direitos humanos das Primeiras Nações na contestação e conseguiu que o tribunal aceitasse ir ouvir os testemunhos dos povos indígenas no seu próprio território – algo que nunca tinha acontecido.

Em Novembro de 2022, o tribunal recomendou ao governo que a autorização para a exploração mineira fosse revogada – uma decisão inesperada e que faz jurisprudência. A decisão baseou-se na contribuição que a mina de carvão teria para as alterações climáticas, o seu impacto no ambiente e as limitações injustificáveis que imporia aos direitos humanos e culturais das Primeiras Nações.

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Sinegugu Zukulue Nonhle Mbuthuma Prémio Ambiental Goldman

Sinegugu Zukulu e Nonhle Mbuthuma, África do Sul

Salvar o mar dos antepassados da exploração do petróleo

Lutar contra um gigante que ameaça destruir a natureza do local onde vivem não é uma novidade para Sinegugu Zukulu e Nonhle Mbuthuma. Lutaram contra o projecto de uma mina de titânio na região de Amadiba, na Costa Selvagem, uma região muito rica em biodiversidade marinha, entre 2007 e 2018. Mas, em 2021, ao saberem dos planos da petrolífera Shell para fazer prospecção de petróleo através de análise sísmica, não hesitaram em lançar-se à luta outra vez.

A análise sísmica no oceano envolve ondas acústicas geradas por uma fonte de energia que liberta ar comprimido a alta pressão, que podem atingir 250 decibéis (o fogo-de-artifício a estalar no ar tem entre 140 e 160 decibéis; as sirenes de uma ambulância, entre 94 e 110, segundo informação dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos). O estudo da propagação das ondas sísmicas permite avaliar as propriedades mecânicas e físicas dos terrenos e a solidez dos materiais que atravessam, para estimar a estrutura geológica e a possibilidade de haver acumulações de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural).

Mas este processo pode causar sérios estragos nos ecossistemas marinhos. Estes estoiros acústicos prejudicam de forma directa zooplâncton, ovos e larvas de peixe e mamíferos marinhos, que podem sofrer de perda de audição e ficar com a capacidade de comunicação afectada. E a zona da Costa Selvagem é uma zona de maternidade para a baleia-jubarte e para a baleia-franca-austral, além de existir ali uma reserva marinha protegida.

Foi por isso surpreendente saber, através dos media, em Outubro de 2021, que a Shell queria fazer prospecção por análise sísmica na Costa Selvagem, e que os direitos de exploração das reservas e petróleo e gás natural recebidos em 2014 tinham sido renovadas esse ano pelo Governo sul-africano. Além de tudo, um eventual derrame de petróleo podia ter resultados devastadores.

Nonhle Mbuthuma, 46 anos, e Sinegugu Zukulu, 54, são do povo Mpondo, em Amadiba, na Costa Selvagem, onde vivem cerca de 3000 famílias. Nonhle Mbuthuma é confundadora e porta-voz do Comité de Crise Amadiba, criado para fazer oposição à mina de titânio. Sinegugu Zukulu é dos líderes da organização não governamental Sustaining the Wild Coast, que trabalha com comunidades indígenas para promover a sustentabilidade, e obtém rendimentos do ecoturismo. Juntos, dedicaram-se a construir um caso legal para contestar a prospecção que a Shell pretendia levar avante.

A multinacional petrolífera dizia ter consultado alguns pescadores comerciais e associações de pesca recreativa – essencialmente brancas, diz o comunicado do prémio Goldman. Dizia ter contactado também comunidades Mpondo – mas nenhuma das comunidades da Costa Selvagem tinha sido consultada ou sabia do plano.

Os dois activistas foram ouvir as objecções de membros das várias comunidades à prospecção sísmica. Declararam que, de acordo com as suas crenças espirituais tradicionais, os seus antepassados vivem no oceano. Ao longo da costa, há zonas em que anciãos e curandeiros conseguem comunicar com os antepassados no oceano, disseram. “O oceano é um local sagrado para nós.” Os testes da Shell seriam uma violação desse espaço.

Nonhle Mbuthuma e Sinegugu Zukulu usaram as redes sociais, para mobilizar outras comunidades costeiras, fizeram uma marcha de sete quilómetros ao longo da costa chamando os antepassados que vivem no mar para os ajudar. Juntaram 400 páginas de depoimentos, entregues ao Supremo Tribunal, que em Dezembro de 2021 decidiu a seu favor, ordenando à Shell que parasse imediatamente com as operações de prospecção.

Em parceria com várias organizações, locais e internacionais, como a Greenpeace ou a Amnistia Internacional, disputaram na justiça a atribuição à Shell pelo Governo dos direitos de exploração das reservas e petróleo e gás natural na sua região. Em Setembro de 2022, o Supremo Tribunal deliberou que a autorização tinha sido concedida ilegalmente, e revogou-a.

O Governo sul-africano não tinha considerado os prejuízos que seriam causados às comunidades locais, e a contribuição que a exploração de hidrocarbonetos daria para as alterações climáticas, decidiram os juízes. Foi a primeira vez que uma disputa ambiental foi resolvida com base nos direitos culturais, espirituais e económicos das comunidades indígenas sul-africanas.

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Andrea Vidaurre Prémio Ambiental Goldman

Andrea Vidaurre, EUA

Libertar a Califórnia da poluição dos camiões

Inland Empire é uma região metropolitana no Sul da Califórnia, que inclui as cidades de San Bernardino e Riverside. É também um nó central da movimentação de carga nos Estados Unidos, por camião, navio ou via férrea. O resultado é que nesta região se respira o ar de pior qualidade em todo o país, segundo a Agência de Protecção Ambiental norte-americana (EPA, na sigla em inglês). O feito de Andrea Vidaurre foi ter liderado uma campanha que levou o estado da Califórnia a adoptar um regulamento para o limite das emissões de camiões e locomotivas, que pode influenciar o que se passa do país.

Andrea Vidaurre, de 29 anos, é co-fundadora e coordenadora do Colectivo Popular para a Justiça Ambiental, uma organização comunitária no Inland Empire, uma região onde vivem mais de quatro milhões de pessoas. Grande parte da população é de origem latina, e trabalha nos enormes armazéns e aeroportos de carga que ali existem, a descarregar e carregar mercadoria, a transportá-la. O maior complexo marítimo de transporte de carga dos EUA fica ali perto, os portos de contentores de Long Beach e San Pedro (Los Angeles).

Quem lá vive sente na pele, nos pulmões, em todo o organismo, o impacto das emissões poluentes da indústria de transporte de carga na sua família e na comunidade. Especialistas em saúde pública designaram Inland Empire como uma “zona da morte por diesel”, diz o comunicado do Prémio Goldman, devido aos níveis elevados de cancro, asma e morte prematura, significativamente mais elevados do que as médias nacionais.

Os números são impressionantes: fazem-se pelo menos 600 mil viagens de camião por dia naquela zona, o que, combinando com as emissões das locomotivas a diesel, produz 25 mil toneladas de emissões de dióxido de carbono (CO2, o principal gás com efeito de estufa, que causa o aquecimento global). Há 4000 grandes armazéns na região de Inland Empire, entre os quais da gigante do retalho online, Amazon, e 600 deles estão a menos de 500 metros de uma escola.

Desde 2018, Vidaurre tem trabalhado para pressionar o estado da Califórnia a adoptar regras mais apertadas para limitar as emissões dos camiões e a poluição do ar, aproveitando uma particularidade da lei: em 1970, devido à grande poluição que ali se verificava, a Califórnia, que é o estado com mais população nos EUA, foi autorizada, ao abrigo da Lei do Ar Limpo, a adoptar critérios mais estritos para proteger os seus habitantes das emissões de veículos. Mas como cada estado pode estabelecer os seus padrões, o exemplo californiano serve sempre de exemplo para ajudar a determinar políticas nacionais.

Andrea Vidaurre mobilizou sindicatos de trabalhadores dos armazéns e camionistas para que se juntasse à luta pela justiça ambiental de organizações e comunidades que apelavam à redução das emissões. Tornou-se porta-voz do grupo, discutiu propostas, fez conferências de imprensa e sessões de esclarecimento. Organizou visitas de estudo para os técnicos e administrativos que teriam a responsabilidade de tomar decisões verem os impactos da poluição directamente.

Em resultado destas acções, em 2020, a Califórnia reduziu os limites aceitáveis de emissões dos camiões de transporte de carga. Nova Jérsia, Nova Iorque, Washington e quatro outros estados, que em conjunto representam 20% do mercado de transporte de carga por camiões adoptaram o regulamento californiano.

Encorajada por esta vitória, Andrea Vidaurre continuou a pressionar, desta vez para tentar obter um calendário para a proibição total das emissões dos camiões, e incluir aqui também as emissões da carga transportada por via férrea. Em 2023, conseguiu que o estado da Califórnia delineasse esse plano: até 2036, todos os camiões pesados vendidos naquele estado terão de ser zero-emissões e as locomotivas também. Em conjunto, diz o comunicado de imprensa, estas são as mais ambiciosas reduções de emissões da Califórnia.

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Alok Shukla Prémio Ambiental Goldman

Alok Shukla, Índia

Organizar a resistência da floresta face a carvão

As florestas densas de Hasdeo Arand são uma das maiores extensões contínuas de espaços florestais na Índia. Ali fica um corredor crucial para que os tigres, ameaçados de extinção, se possam deslocar de uns santuários naturais para outros. Vivem ali também cerca de 50 elefantes asiáticos, igualmente ameaçados. Mas naquelas florestas do estado de Chhattisgarh (Índia Central) existe também uma das maiores reservas de carvão do país – cerca de 5600 milhões de toneladas. Alok Shukla liderou uma campanha popular para travar esta exploração mineira.

Nos cerca de 1700 km2 deste paraíso de biodiversidade, vivem 25 espécies ameaçadas, incluindo leopardos, preguiças, lobos, hienas; 92 espécies de aves; 16 plantas raras e medicinais. Além disso, as florestas de Hasdeo Arand fazem parte da identidade e cultural e fornecem o sustento a 15 mil Adivasi – povos indígenas da Índia, aqueles que se julga serem os habitantes originais do subcontinente, embora o Governo indiano não reconheça oficialmente povos indígenas ou tribos.

Em 2010, o Ministério do Ambiente indiano tinha declarado as florestas de Hasdeo Aranya uma zona interdita para a mineração, devido à sua rica biodiversidade. Mas esta declaração nunca foi formalizada em lei, pelo que sucessivos governos tentaram iniciar a exploração de carvão. Entre 2011 e 2015, o grupo Adani – uma poderosa multinacional – obteve autorização para explorar cinco novas minas de carvão nestas florestas. E em Junho de 2020, foi anunciado o leilão de mais 21 lotes de exploração de carvão.

Se está em recuo em muitos outros países, o carvão, o combustível fóssil que mais emissões de gases com efeito de estufa lança para a atmosfera, é ainda fundamental na Índia para produzir energia: este país é o segundo maior consumidor e produtor de carvão mundial. Em 2022-2023, foram extraídos 761 milhões de toneladas de carvão, para gerar 70% da electricidade consumida na Índia, contabiliza o comunicado de imprensa do Prémio Goldman. E mais de 21% do carvão consumido internamente vem, precisamente, do estado de Chhattisgarh

Alok Shukla, de 43 anos, é coordenador do Movimento Salvem Chhattisgarh, uma aliança informal de vários grupos de acção, alguns dos quais unem povoados indígenas. Shukla compreendeu que as comunidades que dependem da floresta Hasdeo Arand apoiando-se sobre os seus direitos legais ou sobre o processo de atribuição das licenças mineiras e começou a ajudá-los, a organizar a sua oposição.

Com cursos de botânica, Shukla liderou os grupos comunitários para que pressionassem os conselhos legislativos locais a criar uma zona protegida para os elefantes passar, protegendo-a da exploração mineira. Com protestos continuados e uma marca de dez dias de 500 pessoas ao longo de 186 km até à capital estadual, Raipur, 17 das minas que seriam postas a leilão foram retiradas do mercado.

Mas a campanha não ficou por aqui. Usando o poder das redes sociais, com a palavra-chave #SaveHasdeo, foi possível fazer uma mobilização nacional, que incluiu corridas de bicicletas. Na Primavera de 2022, 300 membros da comunidade abraçaram-se a outras tantas árvores que tinham sido marcadas para deitar abaixo, para abrir o terreno para as minas, por tempo indefinido.

Alok Shukla foi à capital indiana, Nova Deli, deu conferências de imprensa, reuniu-se com políticos, deu entrevistas, escreveu cartas e petições – e em Julho de 2022, o parlamento do estado de Chhattisgarh aprovou uma resolução contra a actividade mineira em toda a região de Hasdeo Arand, que exigia o cancelamento do leilão dos 21 lotes de exploração de carvão. O que acabou por acontecer.

“O movimento para salvar as florestas de Hasdeo Arand gerou uma solidariedade regional e nacional sem precedentes, e tornou-se um modelo para a justiça ambiental na Índia”, conclui o comunicado do Prémio Goldman.

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